Há alguns meses, tivemos a notícia de que o governo do Paraná criou um comitê de Saúde Mental, que tem como prioridade o atendimento de quadros psiquiátricos como a depressão. Esta patologia psiquiátrica faz parte da classificação internacional das doenças da OMS – Organização Mundial da Saúde – e preocupa a organização porque está em constante ascensão e deve assumir o segundo lugar de incidência entre todas as doenças que acometem o ser humano.
O que a nota não nos diz é que esta doença mental, sim a depressão é classificada como tal, além de ser responsável pela importante deterioração da qualidade de vida dos afetados por ela, é também responsável pelo comprometimento da qualidade de vida das pessoas que convivem com os pacientes, e em um percentual nada desprezível, pode ser responsável pela perda de vidas valiosas, através da autoagressão.
Não é esta a primeira vez que se ouvem promessas desta natureza. Mas no que diz respeito à mente, a nossa civilização ocidental tem se mostrado extremamente capaz de prometer, prometer, e não cumprir. E é neste vácuo que medram os eternos politiqueiros disfarçados de salvadores da pátria e da humanidade. Na última vez em que entidades governamentais se comprometeram a cuidar dos doentes mentais, o que assistimos foi a enorme facilidade de desconstruir e imensa dificuldade de construir.
As entidades se comprometeram em desospitalizar, substituindo o leito psiquiátrico por outras modalidades de atendimento e, nos casos realmente necessários, substituir os leitos dos grandes hospitais por leitos em hospital geral e em pequenos hospitais psiquiátricos. Era a autodenominada Reforma Psiquiátrica. O resultado foi lastimável. Destruíram os grandes hospitais. Diminuiram drasticamente o número de leitos psiquiátricos, e ao que me consta não se criaram os tais leitos em hospitais gerais no Brasil. Enquanto isso, a população em geral cresceu e não menos cresceu o número de pacientes necessitados de atendimento, inclusive hospitalar. É claro: só não cresceu a oferta de tratamento… Como sempre uma revolução a custo zero – se economizou na diária hospitalar e…
E então, quem salva os nossos pobres pacientes? Pode até não parecer, mas eles, mesmos doentes, não estão interessados em ser salvos. Esperam apenas que os tratem, lhes devolvam um estado o mais próximo do anterior, para que possam decidir o que querem e o que precisam, ou o que não querem e o que não precisam. Enfim a um estado que os salvem dos “salvadores”.
Num artigo publicado em abril de 2009, o poeta Ferreira Gullar foi assertivo ao criticar a reforma psiquiátrica e colocou o dedo na ferida, referindo-se aos fatos ocorridos nos últimos anos na psiquiatria previdenciária. Chegou a dizer que a campanha era demagógica e fundamentada em dados falsos ou falsificados e muitas vezes no desconhecimento do problema que dizem tentar resolver.
Exitosos, os pretensos salvadores dos nossos doentes arregaçaram as mangas e sem nenhuma consideração para as questões humanas descritas, tomaram suas decisões. O culpado de todos os males era o hospital e o leito psiquiátricos. Eles, assim como eu, sabem que está implícita uma grave e nova inverdade nesta generalização: já na época, e para o mal estar dos profissionais, conviviam os leitos destinados ao tratamento das doenças mentais e os leitos dos grandes asilos que respondiam a interesses outros que não os terapêuticos.
Sem aprender nada com experiências anteriores ou com idéias que se mostraram errôneas, se reproduziu no Brasil o que antes ocorrera na Europa e nos Estados Unidos.
É possível imaginar que os hóspedes crônicos encontraram outras formas de asilos. Os pacientes se mudaram para as ruas e talvez, como em outros países, as prisões. Demos um grande passo a frente – do século XXI diretamente para o século XVIII quando Pinel libertou os doentes das celas da Bastilha.
Como sempre, após a última cena do filme, os ricos encontrarão, apesar dos governantes, suas próprias soluções e a suas próprias custas; os menos favorecidos, deverão se contentar com as várias formas de “salvação”. E os heróis-salvadores, serão reeleitos e venderão livros e artigos.
Sinceramente espera-se que a nova versão, anunciada pelo Governo do Paraná seja realmente nova e que se efetive, e não se insira no contexto histórico descrito. Amém. Que todos os deuses nos protejam.
Dr. Elio Luiz Mauer, Médico Psiquiatra
Diretor Técnico da UNIICA – Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida, de Curitiba (PR)
Atividades Recentes:
- Responsável pela Disciplina de Psiquiatria do Curso de Medicina da PUC-PR
- Participação dos programas de Residência e Especialização em Psiquiatria da Universidade Federal do Paraná.
- Membro da Sociedade Paranaense de Psiquiatria e seu delegado à ABP
- Chefe do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria